A pandemia da COVID19 fez com que muitos mochileiros retornassem às suas cidades natais, mas, mesmo nesse cenário controverso, uma família seguiu viajando. Há mais de um ano, o casal Fred Michel e Letícia Serrão, junto com sua filha Beatriz, são nômades. Ou seja, o trio não tem residência fixa e compartilha as aventuras através do blog Três Mochilas Pelo Mundo.

Calmos, serenos, de voz mansa e, de tão cidadãos do mundo, já perderam até o sotaque. Assim são Fred, , e Letícia, ambos de 40 anos. A história dos dois já parecia predestinada. O mineiro, de Belo Horizonte, partiu para desbravar São Paulo ao abrir uma empresa, em 2005. Enquanto que, no mesmo ano, a carioca fora transferida para a capital paulista. Por um acaso cósmico, em 2007, os dois acabaram se encontrando justamente na cidade mais populosa do país.

Apesar do sucesso profissional, com praticamente uma promoção por ano, o casal ainda sentia que faltava alguma coisa. Havia de existir algo além da vida de escritório. Com desejo de conhecer o mundo, então, os dois deixaram empregos para trás. E, em 2011, embarcaram no primeiro grande mochilão.

“Quando a gente fez a volta ao mundo, fomos muito questionados por estar lá aos 30 anos, em uma carreira que, na época, estava indo muito bem. A gente estava em uma fase muito ativa, crescendo… Então, quando a gente largou tudo, naquela época, muita gente questionou a nossa decisão. E foi, assim, a maior e melhor experiência que a gente teve na vida”, conta Letícia.

Fred e Letícia na Grande Muralha da China.
Letícia junto ao Tian Tan Buddha ou Buda Gigante, em Hong Kong, China.
Fred e Letícia no Taj Mahal
Fred e Letícia no base do Everest
Fred e Letícia nas ruínas de Angkor
Fred e Letícia no deserto da Namíbia
Fred e Letícia no Monastério, na cidade de Petra, Jordânia
Primeira volta ao mundo
Fred no deserto do Atacama, no Chile
Fred e Letícia na Ilha de Páscoa

Austrália, Camboja, China, Egito, Espanha, Grécia, Jordânia, Laos, Índia, Zimbábue… No ano sabático, o casal conheceu 27 países em cinco continentes diferentes. Porém, em 2012, Fred e Letícia decidiram voltar à “normalidade”. Só que, desta vez, escolheram a Cidade Maravilhosa como morada.

Eram outros tempos no Brasil e o Rio de Janeiro não era exceção. Com a economia aquecida, não foi difícil se reestabelecer na vida corporativa. Letícia, por exemplo, conseguiu um emprego com um salário até maior do que deixara antes da viagem.

Duas mochilas que se tornaram três

Letícia grávida da Beatriz, pouco antes da filha do casal nascer. (Foto: Reprodução/Três Mochilas Pelo Mundo)

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Duas mochilas que se tornaram três

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Os anos se passaram e o casal tornou-se uma família. Em 2018, nasceu a pequena Beatriz. Mas, antes mesmo de Bia chegar nesse mundo, Fred e Letícia já tinham um novo desejo de mudar. Talvez um curso no exterior ou talvez abrir uma pousada no interior… A solução, então, foi planejar um novo mochilão. No entanto, essa aventura não seria de um ano, apenas. Muito pelo contrário, a família iria começar a literalmente viver viajando.

“Meu medo de partir para uma vida nômade era muito menor do que o meu medo de ter que passar a vida presa no escritório e não tendo tempo nenhum para mim.”

A ideia era esperar até que a Beatriz completasse 1 ano, 1 ano e meio. Mas, a ansiedade de sair pelo mundo já batia à porta. Deixar o emprego e a casa, vender ou doar os móveis, até que foi uma tarefa fácil. O pé de meia também estava feito. Difícil, mesmo, só na hora de viajar pelas lembranças guardadas nas gavetas.

“Sinceramente, do jeito que a gente estava levando ali, a questão de muito tempo que a Beatriz ficava na creche e o tempo que eu não tinha para mim, eu que sempre acostumei a fazer atividade física, estava trabalhando e tendo que dedicar esse tempo a mais para Beatriz. Eu não estava conseguindo fazer nada para mim. Então assim, daquela forma, aquela vida era insustentável. Meu medo de partir para uma vida nômade era muito menor do que o meu medo de ter que passar a vida presa no escritório e não tendo tempo nenhum para mim”, resume Letícia.

Viajando em família

Família agora vive viajando
(Foto: Reprodução/Três Mochilas Pelo Mundo)

Antes de serem Três Mochilas Pelo Mundo, Fred e Letícia tiveram o blog Casal Partiu como grande inspiração. Foi através desses viajantes, na estrada desde 2010, que a família vislumbrou a possibilidade de viver viajando como nômades. “Foi a primeira vez que eu vi essa expressão nômade digital e eu achei que tinha tudo a ver com a gente”, explica Letícia.

“A gente continua com um estilo de baixo custo, mas com algumas preocupações para a gente ter conforto e segurança para Beatriz”.

Mas, a vida na estrada de um casal sem filhos é bem diferente da vida de um casal com filhos. Da mesma forma que essa viagem também teria que ser diferente do primeiro mochilão pelo mundo, anos antes. O agito dos hostels e a praticidade dos flats tiveram que ser substituídos pelo aluguel de casas inteiras, ironicamente com bastante espaço para a pequena Beatriz.

“A gente já saiu com essa programação, já sabendo que ia a ser um estilo de viagem, um estilo de vida muito diferente do que a gente estava acostumado. Porque, até então, a gente viajava baixo custo, mochilão roots mesmo. E hoje a gente continua com um estilo de baixo custo, mas com algumas preocupações para a gente ter conforto e segurança para Beatriz”, conta Letícia.

“A gente já entendeu  que tem que ser mais devagar, que uma criança demanda algumas alguns cuidados especiais”

Esse estilo de vida chama a atenção. Comunicativa e bastante presente no blog e nas redes sociais, a família conta que costumam receber muitas perguntas, principalmente acerca de viajar com uma criança pequena. Questões como, por exemplo, organização de malas, alimentação, médico, educação… Sobre esta última, o casal gravou um vídeo para no IGTV. A própria Letícia conta, as pessoas também se impressionam com a pouca bagagem que a família leva. Uma amiga, uma vez, disse que se estivesse no lugar da viajante, teriam de ser “três containers pelo mundo”.

Embora já estivesse se planejando, há um tempo, para  viver viajando, o destino tratou de quebrar algumas expectativas da família. Sobretudo em relação ao tempo. Ao invés de ficar pulando de cidade em cidade, o trio preferiu temporadas maiores em cada lugar. A dupla jornada, de trabalhar e serem pais, também configuram uma dificuldade a mais no caminho.

“Nós achamos que fôssemos ter mais tempo, mas com criança o tempo é muito escasso. Achamos que fosse conseguir trabalhar e conseguir ficar mais focado trabalhando do que de fato a gente consegue. Então, algumas coisas precisaram ser ajustadas. Já entendemos que tem que ser mais devagar, que uma criança demanda algumas alguns cuidados especiais. Mas, na hora que a gente realmente tomou a decisão e saiu, não tivemos dúvida, tivemos certeza que é essa era a vida para gente”, disse Letícia.

Trabalhando e viajando

“Para muitas pessoas é um ato de muita coragem porque, afinal de contas, a gente abre mão de uma estrutura que a gente costuma chamar de segurança. Mas, para nós, do nosso ponto de vista, perigoso mesmo é deixar a vida passar sem a gente correr atrás daquilo que faz os nossos dias realmente valerem a pena”, conta Fred.

Uma preocupação recorrente, quando se ouve falar em nômades digitais, é com relação ao dinheiro. Fato é que bem antes da pandemia obrigar diversos setores a trabalharem no regime de home office, o casal já provava que era possível, sim, trabalhar de casa. No caso, ambos enxergaram a possibilidade de continuar trabalhando na área de administração. Os dois prestam consultoria, seja de forma totalmente virtual ou fechando parcerias com representantes nas cidades dos clientes. A família também costuma guardar dinheiro para um socorro nos períodos de vacas magras. Sobretudo por conta da Beatriz.

Além disso, o fato de não terem residência fixa faz com que o dinheiro seja voltado principalmente para o aluguel de casas no Airbnb, alimentação e o prosseguimento da viagem. Como o casal explica em um dos vídeos, nesse estilo de vida nômade, não há como ser consumista. Até mesmo porque não há como aumentar muito a bagagem.

“A gente teve uma oportunidade de visitar um bebê nascendo no interior de Minas”

Em contrapartida, viver viajando traz benefícios a alma. Ao serem perguntados sobre os principais momentos da vida nômade, Letícia destaca a visita a Fernando de Noronha, que define como “um lugar que não decepciona”. Enquanto outros lugares surpreenderam, tanto pela beleza, quanto pelo fato de terem conseguido fazer os roteiros junto com a Bia. Como, por exemplo, na região da Serra da Canastra, em Minas Gerais.

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“Esse estilo de vida proporciona para gente, apesar da gente estar longe, poder visitar muitos amigos. Como o Fred é de Minas, eu sou do Rio e a gente morou muito tempo em São Paulo, então temos amigos no Brasil todo. A gente teve uma oportunidade de visitar um bebê nascendo no interior de Minas. Essas coisas que a gente nunca faria se estivéssemos trabalhando no Rio. Por mais que a proposta é ficar longe, a gente teve essa oportunidade de ter mais encontros. Mas, agora com a pandemia isso tudo piorou, porque a gente não pode ficar encontrando tanta gente assim”, afirma Letícia.

Pandemia

Três Mochilas pelo Mundo em Trancoso na Bahia
Três Mochilas Pelo Mundo em Trancoso-BA (Foto: Reprodução/Três Mochilas Pelo Mundo)

Assim como tantos outros mochileiros, a família do Três Mochilas Pelo também foi afetada pela pandemia da COVID19. Paraty, Rio de Janeiro, Nova Friburgo-RJ, Anchieta-ES e Trancoso-BA. Este foi o itinerário da família nos mais de oito meses desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil. O que pode parecer muito, não se compara aos planos originalmente traçados.

Os três já tinham passagens compradas para Portugal. Os planos eram de ficar pelo menos 10 meses no Velho Continente e conhecer o Leste Europeu — região que tanto Fred quanto Letícia ainda não pisaram.

Para o futuro, com o real bastante desvalorizado, o casal também mantinha o desejo de retornar ao Sudeste Asiático — considerado um paraíso para os nômades digitais por causa do baixo custo de vida. Ainda mais para conhecer a Green School, uma reconhecida escola internacional, que promove palestras e oficinas.

Contudo, a maior crise sanitária do século XXI fez com que a família tivesse que mudar drasticamente a viagem. A própria Letícia admite que, se não fosse nômade, talvez ficasse em casa até a pandemia passar. Se no início, a família costuma passar de 10 a 20 dias em cada cidade, pareceu estranho ter ficado quatro meses isolado em Paraty, por exemplo.

Mesmo com a diminuição nas viagens, Fred e Letícia sempre se preocuparam com o risco de carregar o vírus da COVID19. Em Trancoso, no Sul da Bahia, onde estão há mais de dois meses, a família aproveita a proximidade da praia para manter o distanciamento.

“A gente consegue ir à praia e se manter isolado. Mas, a gente já passou para os lugares mais cheios e aí acaba que a gente realmente fica em casa. Especialmente porque a gente vive viajando e tem uma preocupação de não ficar levando a doença. Então, a gente realmente cumpre as regras de isolamento social”, encerra Letícia.

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