O Brasil promoveu uma forte imigração italiana entre o final do Século 19 e a primeira metade do Século 20. Neste período, estima-se que cerca 1,5 milhão de italianos chegaram ao país. Com o passar do tempo, esses imigritantes constituíram famílias e deram origem a diversas colônias como, por exemplo, a cidade de Nova Veneza, no sul de Santa Catarina, e o bairro do Bixiga, no coração de São Paulo. Por esta razão, hoje mais de 32 milhões de brasileiros tem ascendência italiana e teriam direito a cidadania em um processo que mudou recentemente.
Na última terça-feira (20), o Parlamento Italiano aprovou uma nova legislação que trata sobre o jus sanguinis ou “direito de sangue” — princípio da legislação que assegura a cidadania a descentes, mesmo que nascido em outro país. As novas normas haviam entrado em vigor por decreto desde o dia 28 de Março, mas só agora tornou-se lei em definitivo. O que mudou principalmente é que a cidadania italiana agora está restrita apenas a filhos e netos. Ou seja, bisnetos, trinetos, taranetos, etc. de italianos perderam o direito a obtenção do documento.
O Governo argumenta que as solicitações de novas cidadanias estavam descontraladas. De acordo com o Consulado Italiano, só no Brasil foram aprovadas mais de 20 mil pedidos de cidadania em 2023, 40% a mais em relação a 2022. A agenda anti-imigração também faz parte da primeira-ministra Giorgia Meloni, representante do MSI, um partido de extrema-direita da Itália.
“A cidadania italiana está sendo vendida nas vitrines de agências espalhadas pela Itália por 5 mil, 10 mil euros cada. Isso é escandaloso. Há pedidos baseados em um antepassado, verdadeiro, presumido ou até falso, que foi ao Brasil em 1850 — estamos falando de sexta geração — mas alguém finge não ver isso”, citou o deputado Giovanni Maiorano — copartidário da primeira-ministra Meloni — em uma sessão no Parlamento.
Legislação que mudou não afeta quem já tem cidadania italiana
Importante destacar que estas novas regras são válidas apenas para as solicitações a partir de 28 de Março. Segundo um levantamento de Fevereiro de 2023, 750 mil brasileiros já obteram a cidadania italiana. Este número equivale a cerca de 10% dos mais de 6 milhões de cidadãos italianos vivendo fora da Terra da Bota.
O guia de turismo carioca Diogo Belart faz parte deste grupo. Bisneto de italiano por parte de mãe, o jovem — que tirou a cidadania em 2021 — hoje não poderia obter a cidadania de acordo com os novos critérios do Parlamento Italiano.
“Eles prejudicaram, simplesmente, 30 milhões de brasileiros — é que tem muito brasileiro que nunca se interessou por isso — porque eles romperam os laços familiares com os italos-brasileiros. Eu acho ruim para a própria Itália porque é uma das populações que mais vai cair nos próximos anos. Então, acho que eles deveriam estar incentivando os brasileiros a irem para pagar a aposentadoria dos ‘velhinhos’ lá. Achei meio ruim terem mudado essa regra, apesar de eu já ter reconhecido a minha cidadania”, disse Diogo.
A preocupação de Diogo com o futuro da população italiana se justifica. Segundo dados do ISTAT (o Instittuto Nacional de Estatísticas da Itália) a população do país encolheu 1,9 milhão na última década. Em 2024, por exemplo, o país registrou 281 mil mortes a mais que nascimentos. Além disso, ainda de acordo com o Instituto, hoje um a cada quatro residentes no país possui mais de 65 anos.

Como a cidadania pode ajudar o viajante
Em 2023, Diogo Belart visitou o continente de seus antepassados. Durante um mochilão pela Europa, além da Itália, visitou também Alemanha, Espanha, França e Portugal. Tudo com a entrada facilitada por conta da cidadania italiana.
“Tem duas filas (no embarque). Uma para não europeus que precisam ser entrevistados por um funcionário da imigração e outra pra europeus que só precisam escanear o passaporte em uma máquina. Eu entrei na união europeia sem falar com nenhum ser humano.”, conta Diogo.
A cidadania italiana garante, por exemplo, acesso a todo o Espaço Schengen. Criado em 1985, a área de livre circulação — que possui este nome em referência a uma pequena aldeia em Luxemburgo, na fronteira entre a Alemanha e a França, onde o acordo fora firmado — hoje compreende todos os 42 países-membros da União Europeia e ainda conta com Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.
“Claro que não é só chegar e morar, mas tem uma burocracia muito menor do que para um não-europeu. Em Portugal, por exemplo, eu só precisaria ir na Prefeitura. Se eu quiser morar lá, preciso emitir o certificado de registro de cidadão europeu. Não precisa fazer isso nos primeiros seis meses, depois disso precisa, se não leva multa. Mas é isso, é muito mais fácil de morar em qualquer lugar”, explica o guia turístico.
Para tirar a cidadania da Itália é preciso, em primeiro lugar, comprovar a descendência de um cidadão italiano — hoje apenas pais ou avós. Com os documentos em mãos, o candidato a cidadania precisa procurar o consulado ou embaixada italiana e dar entrada no processo que pode demorar anos.

Jornalista e viajante. Nascido no Rio de Janeiro, mas com cabeça sempre pensando no próximo. Ex-aluno do CEFET/RJ e formado em Jornalismo pela UFRRJ, comecei a Com A Perna No Mundo pelo desejo de viajar e de contar as histórias dos lugares e das pessoas pelo caminho.